quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Entrevista com Claudio Thebas

Ser pai, aluno, facilitador... Tudo ao mesmo tempo. Fabiana Queiroz e Cristina Murachco, mães participantes da Escola dos Pais e Mães, entrevistaram Claudio Thebas, coordenador da LEC – Laboratório de Escuta e Convivência.

Esta é a primeira de uma série de conversas que o blog pretende realizar. Mande seus comentários, ideias e sugestões!


Entrevista


O QUE O ENCONTRO PROPICIA

O aprendizado da escuta foi um aprendizado de todos, da LEC inclusive. Nunca houve uma lousa: como escuta, como não escuta, porque a gente mesmo não sabe. Isso é o que é o mais rico. Quando você se disponibiliza para encontrar mesmo o outro, todos saem transformados.

Quem trabalha com grupos tem que lidar com essa vaidade – ou libertar-se dela. Saber que o encontro é o que transforma. Se a LEC tem um mérito, é o de criar encontros. Mas a transformação é de todos – eu posso falar por mim –, eu também sou completamente outro. Por causa de todo mundo que está no grupo. Porque a possibilidade de encontrar verdadeiramente com o outro, numa cidade como a nossa em que tudo é tão rápido, é muito transformadora.

Penso isso como professor também. Eu não ensino nada para as crianças. Sozinho eu não faço nada, mas se me der uma mão, eu vou para a rua.



COMO SÃO OS ENCONTROS

Tem uma coisa do Nilton Bonder que eu adoro, que ele fala que só existe encontro onde não tem controle. Vamos supor: eu quero que uma pessoa seja como eu quero, eu não estou encontrando essa pessoa, eu estou encontrando quem eu quero que ela seja. E no primeiro grupo da Escola dos Pais, vocês falam de uma certa instabilidade, uma instabilidade necessária. Os encontros, as nossas quartas-feiras, têm o desejo de ser pouco controlados, que é para que sejam mais potentes mesmo. A gente tem um roteiro, temos uma ideia do que a gente quer, mas está aberto. Se sair da linha, saiu porque era para ser assim. A gente está muito aberto a encontrar as pessoas. Acho que esse é que é o grande barato.



TUDO COMEÇOU ASSIM...

Desde que eu entrei na Carandá, VivaVida hoje, 20 anos atrás, eu tinha muito o desejo de ter os pais junto. Esse desejo obviamente dizia respeito a mim, porque eu fui pai super novo, e fui carregando, por ser pai super novo, todas as culpas de quem não sabe fazer. O pontapé foi eu ter feito a Pedagogia da Cooperação que me deu um roteiro para eu organizar o meu caos. Para mim, se falar que o teto caiu, eu vou achar ótimo, a gente vai brincar à luz da lua. Mas pediu um cronograma, eu fico desesperado. Então a pedagogia me deu alguns passos, que são quase imperceptíveis para quem participa.



QUEM EU ERA COMO ALUNO

Eu era o mais novo de uma classe. A maioria era bem mais velho do que eu, repetentes. Eu, tímido, e sofria muito bullying, levava porrada mesmo, de apanhar. O colégio não estava nem aí para isso. Você que sobrevivesse e azar seu. Talvez eu não conseguisse verbalizar, tinha vergonha. Então o jeito que eu fui achando para sobreviver, era ficar mais descolado, da turma do fundão. Se eu não ganhasse notoriedade na força, seria porque era engraçado. Sem contar que eu tenho essa coisa do humor, mesmo. Mas tinha uma coisa que eu amava fazer, que era pergunta para o professor “congelando”. Eu amava fazer isso: professor! [Claudio fica congelado, com a mão levantada]. Parado. As primeiras reações dos professores: vá para fora da sala. Não tem graça, fora da sala. Alguns foram percebendo que não adiantava, que eu ia fazer aquilo. No terceiro colegial, eu fui suspenso nove vezes. Eu era bom nisso! Mas não tinha mau trato, eu tinha só essas besteiras, de que eu sempre gostei. Não era desrespeito, para ofender, nada.

E aí os professores passaram a não saber muito bem como lidar com aquilo. Alguns tinham uma tática: vou fazer de conta que eu não percebi e deixa ele congelado, uma hora ele cansa. Mas aquilo me serviu como estímulo para ver quanto tempo eu aguentava ficar congelado até irritar mesmo. Então tinha vez que eu ficava: professor! [congelado]. E ele fingindo que nada estava acontecendo e eu, congelado, até o final da aula. Ninguém conseguia prestar atenção porque era muito divertido aquele estado de congelamento. Essa era uma daquelas brincadeiras.

O “Fala que eu não te Escuto”, meu vídeo, é dessa época. Eu percebia que os professores não escutavam. Eles chegavam com um roteiro. É muito formador de mim como professor hoje o quanto eu não era escutado pelos meus professores na época. Eles tinham um roteiro e qualquer coisa que a gente perguntasse no fundão, com cara de pergunta, eles não iriam escutar.

Eu aprendi a sobreviver ao mau trato, aprendi a fazer uma pancada de amigo, aprendi o que eu faço para escutar ou não. Aprendi um monte. Sobrevivência na selva! Eu tinha vergonha de contar para os meus pais que eu estava apanhando, estava sendo xingado. Meus amigos, depois que viraram amigos, virou uma turma. Mas no primeiro ano, no colegial, aprendi quais eram as minhas potências de sobrevivência na selva, contra um leão bravo. A minha potência era: sozinho eu vou apanhar, então eu vou me descolar. Claro que isso sem a menor consciência, estou pensando nisso agora, com 52 anos, olhando para trás. Acho que eu sou engraçado, acho que eu consigo ter umas tiradas boas, vou me descolar. A escola foi me ensinando repertórios que ela nunca vai sequer supor que ensinou.

Se eu não tivesse encontrado essas pessoas, meus amigos, talvez eu não tivesse aprendido, talvez tivesse só apanhado. Mas a escola teve a desvirtude de não ter o menor olhar. Porque não é tão difícil perceber que tem alguém sendo massacrado. Mas também teve a virtude de criar um campo tão livre – para o mau trato e para o bom trato – que as pessoas foram exercitando. Um pouco que nem praça. Hoje a gente não brinca mais na praça. Mas eu brincava na rua, brincava na praça. E a rua não tem a mediação do pai, da mãe, do síndico, do zelador. A rua tem a mediação da turma mesmo. Se você bobeou, leva um cascudo. E aí você aprende a lidar.



VIRANDO PROFESSOR

A primeira coisa é que já vem com esse DNA de sobrevivência. A escola criou o campo necessário para que eu me conectasse com o que eu tinha de potência – e com o que eu não queria como educador. Principalmente, o que eu não queria.

Não sei se me influenciou a querer ser professor, mas influenciou a ser como eu sou educador. O professor não escuta, eu vou escutar. São muitos exemplos negativos que me ajudaram a entender porque é que eu faço as coisas do jeito que eu faço. E certamente uma dessas coisas passa por: o professor sabe, eu não sei, e ele deposita coisas como se eu fosse um copo vazio. Não é nisso que eu acredito. Nunca suportei isso. Acho que me ajudou a ser coerente com o que eu faço hoje.



COMO A LEC TRABALHA

Somos muito diferentes os quatro – Alyne, Dantas, Pedro e eu - cada um com seu repertório de vida. Eu fico cada vez mais feliz quando está na mão deles, cada um trazendo quem são, não trazendo o que eu faria. São repertórios diferentes. Acho que o humor ajuda. Muito. E por humor eu digo você poder estar como está. Porque se você tiver sempre de estar de bom humor, você não estará bem. Para o ambiente ser descontraído, você tem que poder estar como você está.

O fluxo dos encontros tem muito a ver com a pedagogia da cooperação. São sete encontros, sete práticas: contato, contrato, inquietações, fortalecimento de alianças e parcerias, soluções, práticas e celebração. Se a gente for retomar os nossos encontros, todos têm um contato inicial, que não é chegar já trabalhando: como é que você está, como não está, brincou um pouco. Depois, sempre fazemos um contrato: o que a gente a gente precisa fazer para estar bom para todos. Inquietações a gente tem sempre levantado e sempre procura sair com soluções.

As brincadeiras são do nosso repertório. Eu sou brincante por natureza. Quando eu vi, eu estou brincando com a cara do garçom. A prática do palhaço traz muito jogo. A prática do improviso traz muito jogo. Repertório de brincadeiras da infância. Mas o fluxo dos encontros somado às brincadeiras – esse é o nosso desafio.



SOBRE OS ENCONTROS

A Eva Furnari é maravilhosíssima,  uma pessoa incrível para conversar. Ela foi muito minha mestra. Durante oito anos, a gente teve um grupo de pessoas que escreviam, ela coordenando, mas fazendo junto, escrevia, levava, reescrevia, reescrevia, cada um dando pitaco no texto do outro. Oito anos seguidos fazendo isso, de três em três semanas.

Ela tem uma frase que eu achei sensacional e que eu aplico para um monte de coisas da minha vida que é: as pessoas não têm ideia do trabalho que dá para um texto ficar espontâneo. Acho isso ótimo.

Talvez vocês não tenham ideia do quanto a gente se organiza para que os encontros aconteçam de uma maneira tão solta, porque senão é só caos. Para ter essa liberdade, a gente tem que trazer um campo bem sólido para pisar. As pessoas associam improvisar a fazer de qualquer jeito. Mas, fazendo uma comparação, se você coloca um cara que nunca pegou numa cebola para refogar numa cozinha, e fala: faz arroz, ele não vai conseguir improvisar. Agora, se ele tem um repertório de cozinha, você fala: entra na cozinha e faz uma comida, ele abre a geladeira e com alguma coisa ele vai cozinhar. Ele traz um repertório. Os encontros têm a ver com a gente ter muito domínio dos repertórios que a gente tem e estar sempre buscando outros.



MULTIPLICANDO

A ideia é que a gente se fortaleça mesmo, se multiplique. E multiplicar não é multiplicar o que a gente faz, é multiplicar o que você absorveu do que a gente faz, misturou com você e você transmitiu.

A gente sonha mesmo que a Escola dos Pais possa ir. Mas que ela possa ir com a perna da Escola dos Pais, não só com a perna da LEC. Para a gente, a multiplicação não é a reprodução disso. Porque senão jamais vai ser incrível, vai ficar uma reprodução. A multiplicação é você pegar o que te serve, misturar com o que você tem e passar para frente. É isso que vai deixar vivo, que seja dinâmico, que ela seja uma inspiração, mas ela vai se transformando. Isso é o processo. Por isso, eu fico superfeliz quando vejo que a gente está enriquecido como pessoas que querem o bem do mundo. Talvez a Escola dos Pais possa começar a se difundir não por escolas, mas por pais.



 LIDAR COM AS DIFERENÇAS

Ouvi uma frase de um amigo outro dia: você querer mudar o mundo é saudável, você querer mudar o mundo inteiro é tirania. Tem que ter estofo. Vou falar uma experiência. Não tem nada a ver com isso, mas tem tudo a ver com isso.

Tem um amigo meu – a gente fez a conta, são quase 40 anos de amizade. Ele mudou de São Paulo e aí foi se hospedar em casa, faz uns dois ou três meses. A gente passou uma madrugada conversando. Fazia alguns anos que eu não o via. E foi um exercício. Como está sendo importante a Escola dos Pais para exercitar realmente a escuta. Porque nós temos posicionamentos diferentes. Eu passei a noite inteira sem ter uma única discussão com ele, porque eu não tinha o menor desejo que ele pensasse como eu. Como dois anos treinando escutar, diálogo, escutar, e diálogo me trouxe essa experiência. Terminamos a noite dando risada, abraçados, foi muito bonito. Dá. Não escutar quem você acha que é tirano é tirania também.

Lembrei de uma frase do Christian Dunker naquele encontro que tivemos. Alguém do grupo trouxe: minha filha faz umas coisas tão chatas! E o Christian falou assim: e se ela for chata? Deixa ela ser!



FILHOS

Meus filhos são grandes, meu filho tem 23, minha filha 30. Não sou avô ainda. Tenho duas enteadas que crio desde pequenas. Fiquei com vontade de criar a Escola dos Padrastos. São outras relações. Padrastos e madrastas.

Tem uma coisa de que eu me orgulho muito, da nossa construção de relação. Fui para Floripa e encontrei umas bolsas muito bonitinhas, artesanais. Tinha umas senhoras que fazem coisas artesanais e que vendem sem intermediário, um trabalho em cooperativa. Encontrei quatro necessaires. Comprei. E não encontrei para o Raphael, não comprei. E tudo bem. Ele vai saber.

Isso sempre foi muito claro para a gente, que as coisas não são mensuráveis assim. Muitas vezes eu viajei e comprei para ele – ele faz coleção de futebol – e não comprava para a Luísa. E tudo bem. Então eu acho que a gente teve uma construção – com todos os meus erros. Eu estava com 22, imagina o quanto eu fui errando... Com todos os meus erros, eu acho que a gente teve uma construção de que o amor está no gesto. O amor está no gesto.

Nos encontros que a gente teve – aprendi lá, na Escola dos Pais, com vocês – que amar é indissociável de errar. Para mim, amar é ação. Quem ama, faz. Ao fazer, você vai errar. Então, hoje, gerado um pouco pela Escola dos Pais, percebo que eu fui cometendo erro, cometendo erro, mas eu não cometi o erro crucial que é a omissão. E os filhos percebem. Você vai errar, mas quando você está errando por amor, a coisa flui. Para onde você olha quando está errando? Você está olhando para você ou está olhando para seu filho? Quando você está olhando para ele, você vai errar, ele é outra pessoa. Mas os erros de amor são componentes da relação.



Quem é Claudio Thebas?

Claudio Thebas é coordenador da LEC – Laboratório de Escuta e Convivência. Também é pai da Luiza e do Raphael, padrastro da Sofia e da Bianca, filho da Ignês, marido da Chris, e hoje em dia, no campo "ocupação" em ficha de hotel ele escreve assim: eu.

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