quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Incertezas vivas

Em um texto anterior, disse que 2018 foi o ano do absurdo e explico: a palavra ‘absurdo’ tem em sua origem a conotação daquilo que não é audível. Claudio Thebas sempre fala que o que fazemos na Escola dos Pais é subversivo. E é mesmo. Porque nossa premissa básica é desenvolver a capacidade cada vez mais necessária de ouvir e falar. Aprender a estabelecer um diálogo. Será possível criar espaços de diálogos quando vivemos situações absurdas? Depois do ano do absurdo, entramos no ano das incertezas.


Uma nova turma, a Sexta Turma da Escola dos Pais se iniciou esse ano. Com tantas ou mais incertezas que permeiam os aspectos todos da vida atualmente. Inicialmente eram muitos os interessados, mas quantos mesmo permanecerão? Uma grande novidade também trazia seu quê de incertezas: Claudio Thebas passou a ser assessorado por duas pessoas que já faziam parte da Escola dos Pais. E quem acompanhará a turma dos veteranos da Escola dos Pais, que insiste em continuar cada vez mais forte? Claudio e suas duas novas “estagiárias” pra cá, Pedro Limeira pra lá, e vamos ver no que vai dar.

E deu em muita coisa. Muita reflexão sobre a que e a quem se destina a Escola dos Pais, sobre como atuamos dentro da comunidade escolar, e como podemos e devemos atuar fora dela, conversas com diretoras para acertar os ponteiros, conversas entre nós para acertar tantos sentimentos.


Entre os “calouros” vivências as mais lindas impossíveis. Um grupo que também logo ganhou força, deixou de ser a Sexta Turma para ser a Turma do Garrafão. Dentro dos meus achismos especulativos, acredito muito que toda essa vontade de estar junto e fazer juntos vem de tantas incertezas que rodeiam a vida fora desse universo à parte que criamos nos encontros. Aqui nos encontramos, nos achamos. No sentido individual da palavra, e principalmente no sentido coletivo. Criamos um espaço de diálogo que acontece primordialmente com cada ‘eu’. Para haver diálogo, é preciso haver escuta. E encontrado esse eu, partimos para o encontro com outros ‘eus’. Todos inquietos com suas próprias incertezas, mas dispostos a um diálogo honesto. A uma escuta aberta.


Nesse espaço tão franco, tão profundo, muito nasce e cresce. Principalmente um vínculo muito forte que permanece. Acredito que por isso mesmo a turma de veteranos só cresce, só aumenta. E reiniciamos os encontros. Nesse segundo semestre, seguimos trabalhamos todos juntos. Veteranos e os mais novos veteranos. No mesmo clima de incerteza. O que faremos nesses encontros?


Um sábio uma vez me disse que melhor forma de aprender as regras de um jogo, é jogando. Da mesma forma, só saberemos o que faremos nesses encontros estando lá. E geralmente, por mais que estejamos cansados do dia, da cidade, do trabalho, estamos lá sempre de corpo e alma. Com tanta vontade, com tanta honestidade, que no meio disso tudo é impossível não sair um monte de bonitezas, da qual o nosso mundo está totalmente carecido.






terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Feliz Ano Todo





2018 foi o ano do absurdo. No sentido popular da palavra, coisas absurdas aconteceram. Vereadora assassinada, 12 jovens presos em um caverna, uma eleição jamais vista.

Mas, a palavra absurdo originalmente tem a conotação daquilo que não é audível, compreensível auditivamente. “Surdo”. Qualquer semelhança não é mera coincidência. As eleições de 2018 "ensurdeceram" muita gente. E esse foi, justamente, o tema do último aquário proposto pela Escola dos Pais e pela Carandá Vivavida. Christian Dunker e Carolina Nalon falaram sobre diálogo em tempos de polarização e comunicação não violenta. Mais do que a fala dos especialistas, o que ficou deste grande encontro foi a coragem que muitos tiveram em expor suas angústias e como elas se manifestaram no ambiente famíliar.

“Quem aqui vai passar o Natal em família?”. Alguém desavisado certamente acharia essa pergunta um tanto estranha. Uma realidade insólita, de fato. Mas, seguindo a filosofia da Poliana, o “jogo do contente”, talvez esse distanciamento não seja de todo ruim. Após a ressaca das eleições e do caos criado entre a descrença e a desesperança, depois de tantas discussões, brigas, rompimentos e saídas de grupos do WhatsApp, nunca tivemos tanto sobre o que refletir. Reflexão sobre o momento atual e tudo aquilo que nos trouxe até aqui. E como seguir adiante.

Na Escola dos Pais, esse espaço de reflexão está cada vez maior. Mesmo com inclinações políticas diversas, da indignação com esse ou aquele cidadão de índole duvidosa, estamos todos juntos tentando fazer um mundo melhor. Prova disso é que não tivemos nenhuma baixa no grupo de WhatsApp.

E nesse clima aconteceu o primeiro "re-encontro" de 2019. Com muitas saudades, é claro, mas também com muita energia para continuar a lutar, independentemente de qualquer resultado eleitoral, pelo nosso desejo de construirmos juntos uma comunidade que vá para além dos muros da escola.

Este ano que começa, com certeza, não será fácil. Isso não quer dizer que será um ano ruim. Aconteça o que acontecer, a Escola dos Pais é o lugar onde todos podem trazer suas inquietações, suas lágrimas e seus sorrisos. No "re-encontro" desta semana uma coisa ficou evidente: expor as fraquezas requer muita coragem. E essa grande coragem individual é a matéria prima que dá a enorme força deste grupo.

Para o momento, todos desejamos que cada vez mais pessoas façam parte desse espaço. E um feliz ano todo para todos nós! 



Cris Attab





quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Vem comigo... Na pista eu explico

O encontro é muito desejado nesta escola. Quando a diretora e coordenadora geral Ana Cristina Dunker apresenta a Carandá Vivavida com uma foto do carnaval de rua da escola, esse desejo fica evidente. Saraus, teatro, Imaginar-te, festa junina, show de calouros possibilitam a reunião de  alunos, pais, professores e funcionários durante o ano.

Abrir as portas para a realização deste projeto tão bacana que é a Escola dos Pais só é possível também por essa vontade. 

Não sei se as mães e pais da Escola dos Pais já nasceram festeiros ou se foram contaminados pelo desejo de estar juntos. O fato é que o ano não poderia terminar sem uma celebração. Mesmo porque tínhamos muito a comemorar!

Somos um grupo maior após a quarta turma. O blog está ativo, com cada vez mais publicações, e o Facebook foi inaugurado. Pudemos compartilhar um pouco do que acontece neste projeto com todos pais e mães com a (primeira) ciranda de conversas com Christian Dunker e Débora Vaz. Nossa sala "Vem comigo... No caminho eu te explico" na Imaginar-te foi bastante visitada e elogiada. E ainda há uma possibilidade de levar este projeto para além dos muros da escola.

Juntos planejamos a festa. Com direito a DJ, pista e um incrível cardápio preparado pelo chef Joca, ex-calouro da quarta turma. Foi um sucesso. Dançamos e cantamos. Todos absolutamente disponíveis para diversão, alegria e confraternização.

E nossos filhos? Estavam também por lá e nem nos deram (muito) trabalho. As crianças de idades variadas fizeram novas amizades e brincaram juntas. Enquanto um grupo  pulava nos sofás, outro se reunia e compartilhava um videogame. A empatia e o acolhimento, tão desejados por nós pais e tão estimulados nesta escola que escolhemos para eles, estavam presentes. 

Num mural, crianças e adultos se despediram de 2017 e sonharam com 2018. Muita festa do pijama, skate e futebol. Menos brigas com amigos, amigas e irmãos. Mais cuidado com as pessoas. Mais alegria. Aproveitar melhor a família. Mais amor e respeito. Mais oportunidade para se reinventar. Mais festa. 

Bons votos para todos nós!

Que venha o ano novo!


Mila Torii Corrêa Leite















De fora pra dentro… De dentro para fora…

Como grande arteira que adora as artes todas, conheço o efeito das obras: uma imagem que se fixa, um acorde final que soa por muito tempo, aquela cena que impressiona, a fala que marca. São ressonâncias. Que vibram em nós, mesmo tempos depois de nos distanciarmos da experiência.

Assim são os diálogos. Assim deveriam ser as trocas. Assim está acontecendo em mim, e espero que em outros, depois da ciranda de conversa que tivemos com Christian Dunker e Débora Vaz. Esse encontro de Titãs, tão sonhado por nós da Escola dos Pais, reverberou até o Monte Olimpo. E ainda reverbera em mim.

As escolhas que temos que fazer, quando nos tornamos pais, são carregadas de dúvidas, inquietações, angústias algumas vezes. A Escola dos Pais é um espaço incrível de troca. Mas poder conversar com pessoas como Christian e Débora é um privilégio único. Nesse aquário, a conversa fluiu de forma tão orgânica e descontraída, que parecíamos íntimos. Intimidade que me deu coragem, e uma certa dose de ousadia, para expor meus dilemas no que tange criar filhos nessa sociedade um tanto caótica e bastante complexa. Falar de minhas escolhas, quando tenho consciência que isso pode causar um impacto não muito positivo nos ouvintes, é muito mais tranquilo se não me sinto num tribunal, sendo julgada a todo momento. Claro que as reações sempre são de estranhamento. Porém, isso é coisa fácil de administrar.

No final da conversa, que poderia ter durado a noite inteira, não fosse o senso solidário de Cláudio Thebas, não sai com um manual de “como/o que fazer…”. Minha sensação estava mais parecida com #ficaadica.

E isso condiz muito com o que acredito sobre a educação. Não existe manual, apostila, cursinho. Até as cartilhas de alfabetização não são mais usadas como antigamente. Porque cada criança é única. Cada aluno é único, e tem seus tempo e processo próprios de aprendizado. Assim como cada filho é único (tenho três, sei disso na prática), com suas formas unicas de conhecer e experimentar o mundo.

Um desafio muito grande para mim, é saber dosar a liberdade. Christian e Débora falaram coisas incríveis sobre isso. Esclarecedoras. Autonomia e independência. Palavras difíceis de definir. De utilizá-las; de colocá-las em prática. Não acho justo dar vida à essas pessoinhas que são meus filhos, e depois não deixar que vivam de forma plena. Por outro lado, é minha responsabilidade que cresçam em segurança. Também é minha responsabilidade ensina-los como o mundo em que vivemos funciona (para meu alívio, essa responsabilidade é um pouco dividida com a família, amigos, escola). Que balançaça difícil de equilibrar!!!

Mas depois dessa ciranda de conversa com os especialistas e outros pais, algo me ocorreu. Num universo permeado de dúvidas sobre o futuro, os acertos e os erros, as escolhas, uma coisa ficou evidente. Não posso determinar como será o futuro dos meus filhos. Não posso (e nem quero!), escolher os caminhos que seguirão. Colocar no GPS o destino final, entregar o aparelho em suas mãozinhas pequenas e dizer: sigam a linha vermelha, atentos às instruções da voz da moça. Meu coração de mãe sempre almejará que eles sejam felizes. Mas cada um deles, e só eles, saberão onde buscá-la.


Da minha parte, o que posso fazer é dar-lhes um mapa e uma bússola, bem calibrada. E ensina-los a usar. Mostrar onde fica o norte. Fazer um X bem grande no mapa em cima da “casa da mamãe” (aqui está o tesouro!). E talvez, se eu fizer meu trabalho bem feito, em momentos que o caminho se tornar escuro, eles permitirão que possa estar ao lado deles, segurando uma lanterna.



Cris Attab















quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Entrevista com Claudio Thebas

Ser pai, aluno, facilitador... Tudo ao mesmo tempo. Fabiana Queiroz e Cristina Murachco, mães participantes da Escola dos Pais e Mães, entrevistaram Claudio Thebas, coordenador da LEC – Laboratório de Escuta e Convivência.

Esta é a primeira de uma série de conversas que o blog pretende realizar. Mande seus comentários, ideias e sugestões!


Entrevista


O QUE O ENCONTRO PROPICIA

O aprendizado da escuta foi um aprendizado de todos, da LEC inclusive. Nunca houve uma lousa: como escuta, como não escuta, porque a gente mesmo não sabe. Isso é o que é o mais rico. Quando você se disponibiliza para encontrar mesmo o outro, todos saem transformados.

Quem trabalha com grupos tem que lidar com essa vaidade – ou libertar-se dela. Saber que o encontro é o que transforma. Se a LEC tem um mérito, é o de criar encontros. Mas a transformação é de todos – eu posso falar por mim –, eu também sou completamente outro. Por causa de todo mundo que está no grupo. Porque a possibilidade de encontrar verdadeiramente com o outro, numa cidade como a nossa em que tudo é tão rápido, é muito transformadora.

Penso isso como professor também. Eu não ensino nada para as crianças. Sozinho eu não faço nada, mas se me der uma mão, eu vou para a rua.



COMO SÃO OS ENCONTROS

Tem uma coisa do Nilton Bonder que eu adoro, que ele fala que só existe encontro onde não tem controle. Vamos supor: eu quero que uma pessoa seja como eu quero, eu não estou encontrando essa pessoa, eu estou encontrando quem eu quero que ela seja. E no primeiro grupo da Escola dos Pais, vocês falam de uma certa instabilidade, uma instabilidade necessária. Os encontros, as nossas quartas-feiras, têm o desejo de ser pouco controlados, que é para que sejam mais potentes mesmo. A gente tem um roteiro, temos uma ideia do que a gente quer, mas está aberto. Se sair da linha, saiu porque era para ser assim. A gente está muito aberto a encontrar as pessoas. Acho que esse é que é o grande barato.



TUDO COMEÇOU ASSIM...

Desde que eu entrei na Carandá, VivaVida hoje, 20 anos atrás, eu tinha muito o desejo de ter os pais junto. Esse desejo obviamente dizia respeito a mim, porque eu fui pai super novo, e fui carregando, por ser pai super novo, todas as culpas de quem não sabe fazer. O pontapé foi eu ter feito a Pedagogia da Cooperação que me deu um roteiro para eu organizar o meu caos. Para mim, se falar que o teto caiu, eu vou achar ótimo, a gente vai brincar à luz da lua. Mas pediu um cronograma, eu fico desesperado. Então a pedagogia me deu alguns passos, que são quase imperceptíveis para quem participa.



QUEM EU ERA COMO ALUNO

Eu era o mais novo de uma classe. A maioria era bem mais velho do que eu, repetentes. Eu, tímido, e sofria muito bullying, levava porrada mesmo, de apanhar. O colégio não estava nem aí para isso. Você que sobrevivesse e azar seu. Talvez eu não conseguisse verbalizar, tinha vergonha. Então o jeito que eu fui achando para sobreviver, era ficar mais descolado, da turma do fundão. Se eu não ganhasse notoriedade na força, seria porque era engraçado. Sem contar que eu tenho essa coisa do humor, mesmo. Mas tinha uma coisa que eu amava fazer, que era pergunta para o professor “congelando”. Eu amava fazer isso: professor! [Claudio fica congelado, com a mão levantada]. Parado. As primeiras reações dos professores: vá para fora da sala. Não tem graça, fora da sala. Alguns foram percebendo que não adiantava, que eu ia fazer aquilo. No terceiro colegial, eu fui suspenso nove vezes. Eu era bom nisso! Mas não tinha mau trato, eu tinha só essas besteiras, de que eu sempre gostei. Não era desrespeito, para ofender, nada.

E aí os professores passaram a não saber muito bem como lidar com aquilo. Alguns tinham uma tática: vou fazer de conta que eu não percebi e deixa ele congelado, uma hora ele cansa. Mas aquilo me serviu como estímulo para ver quanto tempo eu aguentava ficar congelado até irritar mesmo. Então tinha vez que eu ficava: professor! [congelado]. E ele fingindo que nada estava acontecendo e eu, congelado, até o final da aula. Ninguém conseguia prestar atenção porque era muito divertido aquele estado de congelamento. Essa era uma daquelas brincadeiras.

O “Fala que eu não te Escuto”, meu vídeo, é dessa época. Eu percebia que os professores não escutavam. Eles chegavam com um roteiro. É muito formador de mim como professor hoje o quanto eu não era escutado pelos meus professores na época. Eles tinham um roteiro e qualquer coisa que a gente perguntasse no fundão, com cara de pergunta, eles não iriam escutar.

Eu aprendi a sobreviver ao mau trato, aprendi a fazer uma pancada de amigo, aprendi o que eu faço para escutar ou não. Aprendi um monte. Sobrevivência na selva! Eu tinha vergonha de contar para os meus pais que eu estava apanhando, estava sendo xingado. Meus amigos, depois que viraram amigos, virou uma turma. Mas no primeiro ano, no colegial, aprendi quais eram as minhas potências de sobrevivência na selva, contra um leão bravo. A minha potência era: sozinho eu vou apanhar, então eu vou me descolar. Claro que isso sem a menor consciência, estou pensando nisso agora, com 52 anos, olhando para trás. Acho que eu sou engraçado, acho que eu consigo ter umas tiradas boas, vou me descolar. A escola foi me ensinando repertórios que ela nunca vai sequer supor que ensinou.

Se eu não tivesse encontrado essas pessoas, meus amigos, talvez eu não tivesse aprendido, talvez tivesse só apanhado. Mas a escola teve a desvirtude de não ter o menor olhar. Porque não é tão difícil perceber que tem alguém sendo massacrado. Mas também teve a virtude de criar um campo tão livre – para o mau trato e para o bom trato – que as pessoas foram exercitando. Um pouco que nem praça. Hoje a gente não brinca mais na praça. Mas eu brincava na rua, brincava na praça. E a rua não tem a mediação do pai, da mãe, do síndico, do zelador. A rua tem a mediação da turma mesmo. Se você bobeou, leva um cascudo. E aí você aprende a lidar.



VIRANDO PROFESSOR

A primeira coisa é que já vem com esse DNA de sobrevivência. A escola criou o campo necessário para que eu me conectasse com o que eu tinha de potência – e com o que eu não queria como educador. Principalmente, o que eu não queria.

Não sei se me influenciou a querer ser professor, mas influenciou a ser como eu sou educador. O professor não escuta, eu vou escutar. São muitos exemplos negativos que me ajudaram a entender porque é que eu faço as coisas do jeito que eu faço. E certamente uma dessas coisas passa por: o professor sabe, eu não sei, e ele deposita coisas como se eu fosse um copo vazio. Não é nisso que eu acredito. Nunca suportei isso. Acho que me ajudou a ser coerente com o que eu faço hoje.



COMO A LEC TRABALHA

Somos muito diferentes os quatro – Alyne, Dantas, Pedro e eu - cada um com seu repertório de vida. Eu fico cada vez mais feliz quando está na mão deles, cada um trazendo quem são, não trazendo o que eu faria. São repertórios diferentes. Acho que o humor ajuda. Muito. E por humor eu digo você poder estar como está. Porque se você tiver sempre de estar de bom humor, você não estará bem. Para o ambiente ser descontraído, você tem que poder estar como você está.

O fluxo dos encontros tem muito a ver com a pedagogia da cooperação. São sete encontros, sete práticas: contato, contrato, inquietações, fortalecimento de alianças e parcerias, soluções, práticas e celebração. Se a gente for retomar os nossos encontros, todos têm um contato inicial, que não é chegar já trabalhando: como é que você está, como não está, brincou um pouco. Depois, sempre fazemos um contrato: o que a gente a gente precisa fazer para estar bom para todos. Inquietações a gente tem sempre levantado e sempre procura sair com soluções.

As brincadeiras são do nosso repertório. Eu sou brincante por natureza. Quando eu vi, eu estou brincando com a cara do garçom. A prática do palhaço traz muito jogo. A prática do improviso traz muito jogo. Repertório de brincadeiras da infância. Mas o fluxo dos encontros somado às brincadeiras – esse é o nosso desafio.



SOBRE OS ENCONTROS

A Eva Furnari é maravilhosíssima,  uma pessoa incrível para conversar. Ela foi muito minha mestra. Durante oito anos, a gente teve um grupo de pessoas que escreviam, ela coordenando, mas fazendo junto, escrevia, levava, reescrevia, reescrevia, cada um dando pitaco no texto do outro. Oito anos seguidos fazendo isso, de três em três semanas.

Ela tem uma frase que eu achei sensacional e que eu aplico para um monte de coisas da minha vida que é: as pessoas não têm ideia do trabalho que dá para um texto ficar espontâneo. Acho isso ótimo.

Talvez vocês não tenham ideia do quanto a gente se organiza para que os encontros aconteçam de uma maneira tão solta, porque senão é só caos. Para ter essa liberdade, a gente tem que trazer um campo bem sólido para pisar. As pessoas associam improvisar a fazer de qualquer jeito. Mas, fazendo uma comparação, se você coloca um cara que nunca pegou numa cebola para refogar numa cozinha, e fala: faz arroz, ele não vai conseguir improvisar. Agora, se ele tem um repertório de cozinha, você fala: entra na cozinha e faz uma comida, ele abre a geladeira e com alguma coisa ele vai cozinhar. Ele traz um repertório. Os encontros têm a ver com a gente ter muito domínio dos repertórios que a gente tem e estar sempre buscando outros.



MULTIPLICANDO

A ideia é que a gente se fortaleça mesmo, se multiplique. E multiplicar não é multiplicar o que a gente faz, é multiplicar o que você absorveu do que a gente faz, misturou com você e você transmitiu.

A gente sonha mesmo que a Escola dos Pais possa ir. Mas que ela possa ir com a perna da Escola dos Pais, não só com a perna da LEC. Para a gente, a multiplicação não é a reprodução disso. Porque senão jamais vai ser incrível, vai ficar uma reprodução. A multiplicação é você pegar o que te serve, misturar com o que você tem e passar para frente. É isso que vai deixar vivo, que seja dinâmico, que ela seja uma inspiração, mas ela vai se transformando. Isso é o processo. Por isso, eu fico superfeliz quando vejo que a gente está enriquecido como pessoas que querem o bem do mundo. Talvez a Escola dos Pais possa começar a se difundir não por escolas, mas por pais.



 LIDAR COM AS DIFERENÇAS

Ouvi uma frase de um amigo outro dia: você querer mudar o mundo é saudável, você querer mudar o mundo inteiro é tirania. Tem que ter estofo. Vou falar uma experiência. Não tem nada a ver com isso, mas tem tudo a ver com isso.

Tem um amigo meu – a gente fez a conta, são quase 40 anos de amizade. Ele mudou de São Paulo e aí foi se hospedar em casa, faz uns dois ou três meses. A gente passou uma madrugada conversando. Fazia alguns anos que eu não o via. E foi um exercício. Como está sendo importante a Escola dos Pais para exercitar realmente a escuta. Porque nós temos posicionamentos diferentes. Eu passei a noite inteira sem ter uma única discussão com ele, porque eu não tinha o menor desejo que ele pensasse como eu. Como dois anos treinando escutar, diálogo, escutar, e diálogo me trouxe essa experiência. Terminamos a noite dando risada, abraçados, foi muito bonito. Dá. Não escutar quem você acha que é tirano é tirania também.

Lembrei de uma frase do Christian Dunker naquele encontro que tivemos. Alguém do grupo trouxe: minha filha faz umas coisas tão chatas! E o Christian falou assim: e se ela for chata? Deixa ela ser!



FILHOS

Meus filhos são grandes, meu filho tem 23, minha filha 30. Não sou avô ainda. Tenho duas enteadas que crio desde pequenas. Fiquei com vontade de criar a Escola dos Padrastos. São outras relações. Padrastos e madrastas.

Tem uma coisa de que eu me orgulho muito, da nossa construção de relação. Fui para Floripa e encontrei umas bolsas muito bonitinhas, artesanais. Tinha umas senhoras que fazem coisas artesanais e que vendem sem intermediário, um trabalho em cooperativa. Encontrei quatro necessaires. Comprei. E não encontrei para o Raphael, não comprei. E tudo bem. Ele vai saber.

Isso sempre foi muito claro para a gente, que as coisas não são mensuráveis assim. Muitas vezes eu viajei e comprei para ele – ele faz coleção de futebol – e não comprava para a Luísa. E tudo bem. Então eu acho que a gente teve uma construção – com todos os meus erros. Eu estava com 22, imagina o quanto eu fui errando... Com todos os meus erros, eu acho que a gente teve uma construção de que o amor está no gesto. O amor está no gesto.

Nos encontros que a gente teve – aprendi lá, na Escola dos Pais, com vocês – que amar é indissociável de errar. Para mim, amar é ação. Quem ama, faz. Ao fazer, você vai errar. Então, hoje, gerado um pouco pela Escola dos Pais, percebo que eu fui cometendo erro, cometendo erro, mas eu não cometi o erro crucial que é a omissão. E os filhos percebem. Você vai errar, mas quando você está errando por amor, a coisa flui. Para onde você olha quando está errando? Você está olhando para você ou está olhando para seu filho? Quando você está olhando para ele, você vai errar, ele é outra pessoa. Mas os erros de amor são componentes da relação.



Quem é Claudio Thebas?

Claudio Thebas é coordenador da LEC – Laboratório de Escuta e Convivência. Também é pai da Luiza e do Raphael, padrastro da Sofia e da Bianca, filho da Ignês, marido da Chris, e hoje em dia, no campo "ocupação" em ficha de hotel ele escreve assim: eu.